A Mitologia pode explicar a Ufologia? Essa é uma daquelas questões que demandam duas respostas aparentemente antagônicas: Sim, pode explicar. Não, não pode explicar. Para entender porque elas não se excluem mutuamente, precisamos primeiro fazer um curto sobrevôo nas terras da mitologia para conhecer suas dimensões continentais, uma área tão vasta quanto a da nossa própria existência. Essa geografia representa a condição humana com todas as suas nuances, inquietações, medos, virtudes, humores, limitações e aprendizados. Sintetizando numa única frase, podemos afirmar que os mitos são narrativas de significação simbólica referentes a aspectos da natureza humana.
Mas um elenco de grandes autores nos oferece outras definições. Rubem Alves, por exemplo, diz que Os mitos são histórias que delimitam os contornos de uma grande ausência que mora em nós. [Joseph] Campbell vai além, postulando que não se trata exatamente de buscar um sentido para a vida, e sim o da experiência de estar vivo, de forma tão profunda que ressoa bem no íntimo de nossa alma e nos mostra a beleza dessa existência. Já para outro nome de peso, Mircea Eliade, referência mundial em estudos de mitologia, O mito é sempre uma criação por excelência, e revela a sacralidade do sobrenatural, a irrupção do sagrado no mundo, o acontecimento primordial. Muitos outros enriqueceriam indefinidamente os conceitos sobre os mitos.
Ao estudarmos sua cartografia, saltam aos olhos palavras-chave que expressam essa realidade: ausência, nostalgia, saudade, vazio, desejo, carência, uma eterna insatisfação, uma busca interminável, uma necessidade de algo inexprimível à razão, uma vã tentativa de voltar às raízes. Pode ser a busca de nossas origens ou da origem de tudo. Pode ser a procura de um conhecimento ou de um acontecimento, ou pode ser tudo isso. Os mitos são a ressonância destes anseios permanentemente ocultos na mente humana, de onde se produzem, por idêntico processo, os sonhos, as fantasias, os devaneios, a arte e a religião: formas substitutivas cuja finalidade é dissimular as verdadeiras moções pulsionais estruturantes do ser humano.
O que se conclui sobre os mitos é que eles foram criados para dar sentido e direção à vida do homem; não são uma invenção gratuita, não nascem da imaginação desenfreada ou de um capricho dos deuses, nem constituem forma de pensamento pré-científico. Eles são a expressão simbólica de forças vivas e atuantes que trabalham nos subterrâneos da psique. E isso é apenas o começo, mas nosso combustível, neste momento, não permite alcançar as fronteira, se é que existem, porque sempre haverá um metro a mais de terra a ser explorada. O sobrevoo seria curto, alertamos.
Antes de pousar, entretanto, é possível notar que existem tênues variações delimitadas nesse terreno, indicando outros tipos de lavoura. Vejamos do que se trata. O leitor com espírito aberto e olhos atentos às entrelinhas já terá percebido que as falas da mitologia reverberam nos campos da ufologia, campos férteis em imaginação, fantasia e fabulação, provocando ecos que não se perdem no vazio, ao contrário. Além de olhos atentos é preciso saber ouvir o que tais ecos querem nos dizer: busca incansável? Retorno às origens? Vazio? Carência? Irrupção do sobrenatural no mundo? Uma rápida vista dos olhos no circo ufológico e lá está tudo isso. Sim, goste se ou não, reconheça-se ou não, a mitologia pode explicar a ufologia. Em parte. Não pode explicá-la sozinha, e somente assentados em solo firme é que identificamos aquelas outras lavouras: antropologia, religião, filosofia, história, psicanálise, sociologia, compondo um instigante e enriquecedor mosaico transdisciplinar.
É aqui que começa a verdadeira pesquisa. É aqui que se dão as maiores descobertas. É aqui que o homem se mostra como realmente é, e não como imagina ser. Todos os nossos medos, todas as nossas inquietudes, todas as nossas necessidades, desejos e frustrações estão desveladas através das narrativas míticas e igualmente expostas nas narrativas ufológicas. Goste-se ou não, reconheça-se ou não. A ufologia, por sua vez, social e culturalmente nascida num momento histórico transformador da humanidade (não por acaso), se conduz por um fluxo descontínuo de narrativas baseadas em eventos duvidosos, obscuros e incomprováveis, não contemplando, portanto, os requisitos básicos da pesquisa científica: rigor, estrutura, critério e método. Mas não é só por este viés que ela comete seus piores delitos e nem é nossa intenção trilhar este caminho. Ao se colocar ciência e crença na balança da verdade, uma coisa não pode ser refutada: o ponteiro se inclina sempre sob o peso da argumentação responsável, da autoridade reconhecida, da experiência respeitada e da evidência consolidada.
Assim como a mitologia se serve daqueles campos para explicar o objeto de seus estudos, a ufologia não só imprescinde deles como agrega, ao seu latifúndio, além da própria mitologia, ficção, astrobiologia, psicologia e outros tantos quantos forem necessários. O ritmo vertiginoso sem tréguas das mudanças do mundo, aliado ao volume ciclônico de informações exige atualização permanente. Os ventos dessas transformações sopram céleres, fazendo a curva do aprendizado crescer exponencial e cumulativamente. Com o advento da internet e da comunicação digital, assiste-se a uma revolução em escala planetária sem precedentes, por isso nada justifica mais uma atitude tão anacrônica de ingenuidade, credulidade fácil e ilusão, ainda mais quando se constata um movimento sinérgico, progressivo e global na revisão historiográfica corretiva dos fatos. A ufologia não está fora desse quadro.
Mesmo concordando com Vallée, Quanto mais luz projetarmos sobre o fenômeno, mais zonas de sombra estaremos criando, preferimos adotar um espírito mais arrojado e atender a um antigo desejo de Campbell: Até onde sei, ninguém tentou ainda configurar em um único quadro as novas perspectivas que abrimos nos campos do simbolismo comparado, religião, mitologia e filosofia, utilizando-se do conhecimento moderno. Ao encontrarmos paralelos e semelhanças indiscutíveis entre os mitos e o fenômeno Óvni na origem, estrutura, forma, estética, simbolismo e expressão, demos vida ao sonho de Campbell, abrindo novas possibilidades. E quitamos uma dívida conosco e com a Ufologia que prezamos.
Empreendemos, então, a tarefa de executar um amplo estudo comparativo entre ambos em Reflexões sobre uma Mitopoética. A abordagem sintética não compromete o apuro da análise, até porque vem norteada por nomes de primeira grandeza no cenário acadêmico e literário; além dos já citados, Zygmunt Bauman, Ernst Cassirer, Lévi-Strauss, Jung, Gilbert Durand, Lacan, Marilena Chauí, Régis de Morais, Antonio Novaski, Constança César e muitos outros emprestaram seus saberes, proporcionando um exame multifacetado e multiplicador. Nosso objetivo, afinal, foi inspirado em Antonio Cândido: fecundar o ensaio acadêmico com a especificidade da narrativa ufológica e, ao mesmo tempo, enriquecer a visão crítica dos fatos através da formação universitária.
Por Carlos Reis - CUB - 2011.
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